ESTRATÉGIAS DE CUIDADO PSÍQUICO EM SITUAÇÕES DE PANDEMIA

 
 

A pandemia e, consequentemente, as medidas de distanciamento social têm gerado uma série de mudanças e incertezas e durado mais do que gostaríamos.

 

Diante dessa situação muitos de nós iremos apresentar sinais de estresse psíquico que nos levarão a questionar se nossa saúde mental vai bem. A OMS estima que entre 1/3 e metade da população exposta a uma epidemia dessas proporções pode sofrer alguma manifestação psicopatológica caso nenhuma intervenção de cuidado seja feita.

 

Mas para pensar nesse cuidado, precisamos antes pensar sobre o que é saúde mental. E lembrar que saúde mental não é o mesmo que felicidade.

 

Vivemos tempos estranhos em que estar sempre bem é quase uma obrigação, algo como “se você não se sente feliz o tempo todo, certamente algo está errado (ou você está doente)”. No entanto, podemos estar mentalmente saudáveis mesmo estando tristes, porque, na verdade, saúde mental se relaciona muito mais com nossa resposta diante do que nos acontece, do que com o que, de fato, nos acontece. Ela fala sobre nossa capacidade de lidar com os acontecimentos e elaborar os afetos, sejam eles felizes ou não.

 

E dizer isso é muito importante agora, porque estamos passando por um momento difícil em nosso país – tanto pela pandemia, quanto pela crise política que atravessamos – e estamos sofrendo. Mas estar sofrendo não significa necessariamente que estamos doente ou que precisaremos de medicamentos. Na verdade acredito que precisamos reaver nosso direito de ficar tristes.

Andamos incomodadíssimos com a dor e não toleramos qualquer grau de tristeza, mas a verdade é que se não pudermos nos desesperar, perder o sono e nos sentirmos tristes num momento em que um vírus está se disseminando mundo afora e mudando nossas vidas sem aviso prévio, o que podemos fazer, afinal?!

 

Portanto, se você está com medo de adoecer ou de morrer, medo de perder as pessoas que ama, de perder o emprego ou seus meios de subsistência, se você está ansioso, irritado, triste ou angustiado e se seu apetite ou seu sono não são mais os mesmos e seu humor oscila de dias ótimos a dias que não quer sair da cama, muito provavelmente isso indica que você está apresentando uma resposta normal a uma situação anormal. Pois esses são os afetos adequados para a situação que vivemos agora e, inclusive, são aqueles que nos mobilizam a tomar os cuidados necessários. E compreender isso vai nos permitir transformar a dor, o medo, a raiva e a tristeza em uma estrutura de enfrentamento – ao invés de uma estrutura de adoecimento.

 

Isso não significa que não podemos fazer nada. Na verdade, podemos fazer algo urgente que é parar de fugir da nossa dor e começar a cuidar dela, o que passa por acolher todas as emoções, inclusive as “ruins”.

Portanto, 1- vai doer; 2- teremos que lidar com essa dor e talvez precisemos pedir ajuda para isso; 3 – podemos encontrar recursos internos e desenvolver habilidades que podem nos ajudar passar por esta experiencia sem evoluir para uma depressão ou um estresse pós traumático.

Algumas estratégias poderão nos dar um suporte para passar por isso:

 
  • IDENTIFICAR – RECONHECER – ACOLHER: esse é um exercício importante pois é o quanto somos capazes de aceitar, acolher e cuidar da nossa dor que vai nos sustentar durante esse caminho. Você pode anotar (adoro essa opção) ou apenas pensar sobre. Identifique suas reações diante da pandemia, reconheça e descreva seus medos (ex.: estou com medo de morrer ou de não conseguir manter minhas fontes de renda) e acolha todos os sentimentos que surgirem com cuidado e paciência. Não podemos parar a dor, mas podemos cuidar dela. A escrita terapêutica pode ajudar nesse processo.

“Escrever é reparar a ferida fundamental. Porque todos estamos feridos.” -Alejandra Pizarnik-

 
  • RETOMAR ESTRATÉGIAS DE CUIDADO: procure se recordar de outros momentos difíceis pelos quais passou e as estratégias que utilizou para passar por eles, retomando ações que trouxeram benefício no passado.

 
  • AUTOCUIDADO: ações de autocuidado nos auxiliam na redução do nível de estresse agudo. Nesse sentido procure manter uma rotina saudável de sono, alimentação e movimento. Não precisa ser a rotina perfeita, o importante é que você cuide da sua rotina com a intenção verdadeira de cuidar de si (e tudo bem se não der certo todos os dias). Meditação e exercícios de respiração nos auxiliam a situar o pensamento no momento presente e são ótimos para tempos de preocupação. E lembre-se que você não precisa virar um monge tibetano, pequenas pausas de 2 ou 3 minutos para meditar ou respirar podem ser suficientes.

 
  • REENQUADRAR OS PLANOS: muito planos precisarão ser pausados ou readaptados a essa nova realidade. Repense os prazos e estratégias de vida de forma a seguir produzindo planos, agora adaptados às condições do momento, que, lembre-se, vai passar.

 
  • CUIDE DOS VÍNCULOS: manter ativa a rede socioafetiva, estabelecendo contato, mesmo que virtual, com familiares, amigos e colegas é fundamental. Lembre-se que o momento é de DISTANCIAMENTO e não de ISOLAMENTO social.

 
  • Busque FONTES CONFIÁVEIS DE INFORMAÇÃO, como o site da Organização Mundial da Saúde, por exemplo.

 
  • REDUZA O TEMPO que passa assistindo ou ouvindo notícias. Eleja um ou dois horários para se atualizar e se desconecte das notícias o resto do dia.

 
  • Sobre as crianças, é um momento para ficar perto e retomar interações que foram perdidas ao longo do tempo. É importante manter uma rotina mínima e usar os espaços de aulas online para rever o grupo, mas sem exageros, afinal, temos a vida toda para recuperar conteúdos escolares, mas não teremos nossos filhos pequenos para sempre.

 
  • Ainda sobre as crianças, também é importante observá-las de perto, se apresentam mudanças de comportamento, se pararam de brincar, se se isolaram demais, se estão comendo e dormindo direito, pois a quarentena também é uma situação difícil para elas. E falem a verdade sobre a quarentena pois, em geral, mentir nesse momento aumenta a problemática.

 
  • Idosos também demandam atenção, pois geralmente são mais sensíveis às mudanças em seu cotidiano e pode ser necessário explicar diversas vezes a mesma coisa. Cultive a paciência. E lembre-se que eles também não estarão aqui para sempre, então tentem aproveitar o tempo juntos.

 
  • Compartilhe ações e estratégias de cuidado e solidariedade, isso aumenta a sensação de pertença e conforto social.

 
  • Se você estiver trabalhando durante a epidemia, fique atento às suas necessidades básicas, garanta pausas sistemáticas durante o trabalho (se possível em um local calmo) e entre os turnos. Evite o isolamento junto a sua rede socioafetiva, mantendo contato, mesmo que virtual.

 
  • Caso seja estigmatizado por medo de contágio, compreenda que não é pessoal, mas fruto do medo e do estresse causado pela pandemia.

 
  • Evite o uso do tabaco, álcool ou outras drogas para lidar com as emoções. Isso pode aliviar o desconforto momentaneamente, mas nos tira a chance de elaborar e de cuidar das nossas dores.

 
  • É preciso estar particularmente atento ao aumento da violência doméstica. Se você for vítima ou presenciar situações de violência doméstica, denuncie. Vale ressaltar que a pandemia não afetou as medidas protetivas de urgência, as quais podem ser solicitadas pela vítima à delegacia de polícia ou por meio do Ministério Público. Segundo a lei, um juiz deve analisar o pedido em até 48h. (Disque 180: Disque-Denúncia criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres).

 
  • E caso as estratégias utilizadas não estiverem sendo suficientes para sua estabilização emocional, busque um profissional de saúde para receber orientações específicas.

Vale lembrar que, apesar de todos esses cuidados, algumas pessoas podem sim adoecer ou descompensar quadros prévios já estáveis. Alguns critérios ajudarão a determinar se uma reação psicossocial considerada esperada está se tornando sintomática e precisará ser encaminhada para cuidado profissional:

 
  • Sintomas persistentes;

  • Sofrimento intenso;

  • Comprometimento significativo do funcionamento social e cotidiano;

  • Dificuldades profundas na vida familiar, social ou no trabalho;

  • Doenças psiquiátricas prévias com piora dos sintomas;

  • Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio;

  • Problemas coexistentes como alcoolismo ou outras dependências.

 

Não hesite em pedir ajuda se precisar, isso não é um sinal de fraqueza e sim de autocuidado.

 

Coragem para nós. Seguimos.

 

Referências Bibliográficas:

  1. Como lidar com os aspectos psicossociais e de saúde mental referentes ao surto de COVID-19. Versão 1.5, março 2020. IASC – Inter-Agency Standing Committee.

  2. WHO. Mental health and psychosocial considerations during COVID-19 outbreak. March, 2020.

  3. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19 – FIOCRUZ.